Vamos bater um papo reto sobre um assunto que afeta muita gente e é cercado de dúvidas: a endometriose. Esquece o “medicinês” complicado por um instante. Pensei em te contar sobre isso como se estivéssemos tomando um café, trocando uma ideia sincera sobre o que é essa condição, por que ela acontece e como a gente lida com ela.
O que é essa tal de endometriose, afinal?
Imagina o tecido que reveste o útero por dentro, o endométrio. Todo mês ele fica espesso, se preparando para uma possível gravidez. Se ela não rola, ele descama e sai na menstruação.
Agora, na endometriose, pedacinhos desse mesmo tecido resolvem “passear” e crescer fora do útero. E quando eu digo fora, é fora mesmo. Eles podem parar na pelve, que é o mais comum, mas também no abdômen, no tórax e até na pele ou no cérebro.
Esse tecido “viajante” pode se apresentar de algumas formas:
- Peritoneal: Quando os implantes são só superficiais, ali no peritônio.
- Ovariana: Quando aparecem nos ovários, podendo formar cistos chamados endometriomas.
- Profunda: Essa é mais séria. A lesão penetra mais de 5mm, podendo atingir o espaço atrás do peritônio ou órgãos como bexiga, intestino e ligamentos do útero.

Mas por que isso acontece? A parte mais louca: ninguém tem 100% de certeza.
Quando um assunto tem tantas teorias, é porque nenhuma delas consegue explicar tudo sozinha. Mas a mais famosa, a que todo mundo fala, é a Teoria de Sampson. Pensa comigo: durante a menstruação, uma parte do fluxo pode fazer o caminho inverso, subindo pelas trompas e caindo na pelve. Isso é a tal da “menstruação retrógrada”.
Aí, segundo essa teoria, as células do endométrio que chegaram lá se grudam onde não deviam, se multiplicam e pronto: nasce um foco de endometriose. Só que tem um porém: a maioria das mulheres tem essa menstruação retrógrada, mas nem todas desenvolvem a doença.
É aí que entra a Teoria Imunológica, que é como a peça que faltava no quebra-cabeça de Sampson. Em uma pessoa sem endometriose, o sistema de defesa do corpo chegaria e “limparia” essas células intrusas. Nas pacientes com a doença, parece que existe uma falha nesse sistema de limpeza, que permite que as células se implantem e cresçam.
Existem outras teorias, como a que fala de uma transformação de outras células em tecido endometrial (metaplasia celômica) ou a que justifica a endometriose em cicatrizes de cirurgias, como a cesárea, por um “transporte” acidental de células.
Fatores de risco: quem está mais suscetível?
Basicamente, muitos dos fatores de risco estão ligados a uma maior exposição ao estrogênio e a ter mais ciclos menstruais durante a vida. Fatores que aumentam o risco incluem:
- Menstruar pela primeira vez muito cedo ou entrar na menopausa tarde.
- Nunca ter tido filhos (nuliparidade) ou ter a primeira gestação mais tarde.
- Ter um histórico familiar da doença.
- Fluxo menstrual intenso ou ciclos mais curtos.
- Algumas malformações no útero ou estreitamento do colo.
Por outro lado, coisas que parecem proteger ou diminuir o risco são:
- Ter vários filhos (multiparidade).
- Amamentar por períodos longos.
- Consumir ômega 3.
- Uso de pílulas anticoncepcionais, que protegem especialmente contra o endometrioma.
Os 4 “D”s: os sintomas que acendem o alerta
O quadro clínico clássico pode ser resumido nos “4 D’s”.
- Dismenorreia: A famosa cólica menstrual, que costuma ser progressiva, ou seja, piora com o tempo.
- Dispareunia: Dor durante a relação sexual.
- Dor pélvica crônica: Uma dor na região pélvica que não acontece só durante a menstruação.
- Dificuldade para engravidar (Infertilidade): É um sintoma muito comum, presente em cerca de 40% das mulheres com a doença.
Além desses, podem aparecer alterações urinárias e intestinais, dor lombar e uma fadiga crônica. Uma característica forte é a ciclicidade: os sintomas pioram muito perto da menstruação.
Como a gente descobre? O caminho do diagnóstico
O diagnóstico começa com a suspeita clínica baseada nos sintomas. Depois, vem o exame físico. No exame ginecológico, o médico pode encontrar alguns sinais, como nódulos nos ligamentos uterossacros, dor ao toque ou um útero que está fixo e não se move muito.
Para confirmar, entram os exames de imagem:
- Ultrassonografia: O ultrassom pélvico ou transvaginal é ótimo para detectar endometriomas no ovário. Mas para ver as lesões mais profundas, especialmente no intestino, é preciso um exame com preparo intestinal, feito por um profissional super especializado.
- Ressonância Magnética: É um exame excelente e cada vez mais usado por não depender tanto da experiência do examinador. É considerado o padrão-ouro de imagem para diagnosticar os endometriomas.
Mas, o diagnóstico definitivo, o famoso “padrão-ouro”, é a videolaparoscopia. É um procedimento cirúrgico que permite olhar diretamente dentro da pelve e ver os implantes. Alguns especialistas defendem que só a visualização já basta, sem precisar de biópsia, já que os achados são muito confiáveis.
E o exame de sangue CA-125? Ele pode estar aumentado, mas geralmente só nos casos mais avançados, e é muito pouco específico. Por isso, não serve para diagnosticar, mas pode ser usado para acompanhar o tratamento.
E o tratamento? As opções que temos na mesa
A escolha do tratamento é super individualizada. A lógica principal do tratamento clínico é simples: se os focos de endometriose “sangram” e doem durante a menstruação, então “bloquear” ou diminuir a menstruação deve melhorar os sintomas.
- Tratamento Clínico (Hormonal): O objetivo é induzir um estado de menos estrogênio ou de “não-menstruação”. As opções de primeira linha são os anticoncepcionais combinados e os progestágenos. Para casos mais resistentes, existem outras classes como os análogos do GnRH, que induzem um estado parecido com a menopausa.
- Tratamento Cirúrgico: É indicado quando a dor não melhora com os remédios, quando há obstrução do intestino ou do trato urinário, ou para tratar a infertilidade. A primeira escolha é a cirurgia conservadora, feita por videolaparoscopia, que retira os focos da doença mas preserva o útero e os ovários. A cirurgia definitiva (histerectomia, com ou sem retirada dos ovários) é uma opção para casos refratários em mulheres que já têm filhos.
Uma última coisa importante é sobre o tal “cisto de chocolate”, o endometrioma. O tratamento clínico não costuma fazer ele sumir. A decisão de operar é delicada: se opera, melhora a dor, mas pode afetar a reserva de óvulos e a fertilidade. Por isso, a tendência é operar só os que são grandes (maiores que 5-6 cm) e sintomáticos.

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